PROTEJA SEU PATRIMÔNIO: AS CONSEQUÊNCIAS DA BURLA AO PATIRMONIO DE AFETAÇÃO NA CONSTRUÇÃO CIVIL
Imagine a seguinte situação: você, como cliente, decidiu investir em um imóvel em construção, confiante de que seu dinheiro estaria seguro e o projeto seria concluído sem percalços. Entretanto, ao se deparar com indícios de uma possível burla ao patrimônio de afetação, surgem questões preocupantes em sua mente. Quais seriam as implicações desse ato ilícito? Quais as consequências jurídicas para os responsáveis?
Esse foi um questionamento feito por um de nossos clientes nessa semana, que decidi trazer para os nossos artigos trazendo informação relevante tanto para os adquirentes como para a comunidade jurídica.
Neste artigo, mergulharemos nas profundezas do mundo jurídico, examinando as implicações e os desdobramentos de uma possível burla ao patrimônio de afetação na construção civil. Afinal, é fundamental estar informado e proteger seus direitos quando se trata de aquisição de um bem para integrar seu patrimônio
Separamos nosso artigo da seguinte maneira:
5. CONCLUSÃO
- O QUE É O PATRIMONIO DE AFETAÇÃO
O regime de afetação da incorporação imobiliária foi estabelecido nos artigos 31-A/31-F da Lei nº 4.591/64 (incluídos pela Lei nº 10.931/04):
Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.
É bom destacar que o patrimonio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. Ou seja, é uma garantia de que todo dinheiro que entra na incorporação vá direto para a construção em si, garantido a finalização do empreendimento.
Não se considera como patrimônio de afetação, a importância que exceder a conclusão da obra e o valor da alienação da fração ideal de cada unidade vendida quando realizado incorpração com construção de empreitada ou administração, ressalvada algumas exceções previstas no §9º da mesma lei.
Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno.
Em resumo, o patrimônio de afetação é a designação de um patrimônio próprio e específico para cada empreendimento imobiliário, com contabilidade separada de eventuais operações de sua construtora ou da incorporadora.
Se você tem interesse em saber um pouco mais sobre algumas implicações legais da submissão do patrimônio de afetação do empreendimento imobiliário sugiro o nosso artigo sobre retenção de valores pagos pelo adquirente, bem como nosso artigo que fala sobre o Regime Especial de Tributação (RET).
Ocorre que algumas vezes há situações que essa segregação não é respeitada de forma que o Poder Judiciário avalia os indícios de burla para desconfigurar ou mitigar o instituto.
2. INDICIOS DE BURLA AO PATRIMONIO DE AFETAÇÃO
Ocorre burla ao patrimônio de afetação quando há o desvio de finalidade do instituto, pois a criação da figura do patrimônio de afetação visa, de um lado, trazer segurança ao empreendedor, mas, de outro, também, providenciar segurança aos que adquirem os imóveis.
Não pode o incorporador ou um possível devedor deixar de dar o devido lastro aos adquirentes e,” ipso facto “, abuso de personalidade jurídica, até porque não se exige que o”patrimônio de afetação’ seja personalizado.
No caso, caso não seja encontrado qualquer tipo de montante sobre o patrimônio de afetação há responsabilização do empreendedor pelas dívidas inadimplidas, já que foi ele quem constituiu tal patrimônio e deveria preservá-lo.
Portanto, o maior e mais nítida situação de burla ao patrimônio de afetação é o esvaziamento de patrimônio do empreendimento, retratando não um inadimplemento mas evidente burla ao patrimônio de afetação.
Outra causa também de indício de burla ao patrimônio de afetação é o capital social declarado na empresa, de sorte a ser ínfimo, o que enseja também nítido caráter de desvio de patrimônio relacionado ao empreendimento.
Dessa forma, muitas das vezes os empreendedores estruturam uma SPE para erguer o empreendimento, mas ao esvaziar seu patrimônio ocorre em ato abusivo, ilegal e contrário a lei, de sorte que deve incidir as conseqüências jurídicas aplicadas ao caso que analisaremos mais abaixo.
3. CONSEQUÊNCIAS JURIDICAS PARA OS RESPONSAVEIS
Nos casos de identificado burla ao patrimônio de afetação, diante do seu desvio de finalidade e configurado o abuso da personalidade jurídica, adotada a teoria menor e, inclusive, totalmente desnecessário se perquirir se o adquirente é, ou não, consumidor.
Inclusive há disposição expressa na Lei de Incorporações, art. 31-A §2º da responsabilização do incorporador:
2º O incorporador responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação.
A justiça tem entendido que há desvio de finalidade e deferindo pedidos de desconsideração da personalidade jurídica da empresa instituída para atingir os bens dos sócios dos empreendimentos.
Nesse sentido, têm-se os seguintes julgados: Agravo de instrumento. Ação de indenização por danos materiais e morais. Compromisso de compra e venda. Cumprimento de sentença. Desconsideração da personalidade jurídica. Manutenção da decisão. Empresa executada que mantém suas contas bancárias zeradas. Ausência de indicação de qualquer bem para ofertar à penhora. Grupo econômico. Exploração da mesma atividade, mesmo endereço e identidade de sócios. Relação de empresas controladora e controlada. Sociedade de propósito específico que não pode servir para burlar a lei. Recurso desprovido ( 2175403-80.2022.8.26.0000 – Agravo de Instrumento Relator (a): SILVÉRIO DA SILVA – Comarca: São Paulo – Órgão julgador: 8a Câmara de Direito Privado – Data do julgamento: 23/08/2022) – GN
AGRAVO DE INSTRUMENTO COMPRA E VENDA
Cumprimento de sentença nº 0000755-46.2018.8.26.0114
Incidente de desconsideração da personalidade jurídica (Processo de nº 0022786-55.2021.8.26.0114) Decisão interlocutória agravada que reconheceu a formação de bloco econômico e a responsabilidade solidária das empresas autorizadas a constarem no polo passivo da demanda Inconformismo trazido por FRK Realizações e Participações Ltda. e Reserva Riviera Realizações Imobiliárias SPE Ltda. Liminar de efeito suspensivo negada nesta sede Mérito Argumentos que não convencem diante das circunstâncias fáticas comprovadas nos autos Confusão patrimonial Aplicação da “Teoria menor” Decisão mantida ( 2158801-14.2022.8.26.0000 – Agravo de Instrumento / Promessa de Compra e Venda – Relator (a): Fortes Barbosa – Comarca: São Paulo – Órgão julgador: 2a Câmara de Direito Privado – Data do julgamento: 16/08/2022) – GN
4. COMO SE PROTEGER CONTRA A FRAUDE
Difícil missão do adquirente é descobrir se está ocorrendo uma burla ao patrimônio de afetação, mas a partir dos indícios acima apontados deve o adquirente já ficar atento para buscar resguardar seus direitos.
Deve se afastar de empreendimentos que já estejam em efetivo atraso de obra ou até mesmo de incorporadoras que não estão com sua idoneidade devidamente intacta.
Nós no dia-a-dia já sabemos que para o adquirente tomar como iniciativa a existência de patrimônio de afetação já é um grande avança, porém importa ressaltar que a criatividade de articulados fraudadores vem aumentando cada dia mais deixando cada vez mais difícil a percepção imediata das fraudes.
Cabe ainda destacar que a comissão de representantes das incorporações imobiliárias serve para proteger os interesses dos adquirentes ao tempo que vai acompanhando a incorporação. Um bom papo com essa comissão antes da efetiva aquisição da unidade imobiliária é de grande valia para não ocorrer o arrependimento posterior.
5. CONCLUSÃO
O patrimônio de afetação é uma medida que busca proteger os compradores de imóveis, assegurando que os recursos financeiros destinados à construção de um empreendimento sejam utilizados exclusivamente para esse fim. Ao criar um patrimônio separado, o incorporador isola os ativos e passivos relacionados à incorporação, de modo que eventuais dívidas e obrigações não afetem outros bens e patrimônios.
Essa segregação proporciona maior segurança aos adquirentes, garantindo a conclusão das obras. No entanto, é importante ressaltar que, em alguns casos, ocorrem situações em que essa proteção é desrespeitada, levando o Poder Judiciário a avaliar se houve intenção de burlar a legislação. Em tais casos, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada, responsabilizando os sócios dos empreendimentos quando ocorre desvio de finalidade e abuso da estrutura empresarial.
É fundamental que os incorporadores ajam de acordo com a lei, cumprindo suas obrigações e garantindo a integridade do patrimônio de afetação. Caso contrário, podem enfrentar consequências legais, como a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e a responsabilização dos sócios.
A justiça tem se mostrado favorável aos compradores, reconhecendo situações em que houve desvio de finalidade e concedendo pedidos de desconsideração da personalidade jurídica. Assim, é imprescindível que as empresas envolvidas em incorporações imobiliárias ajam de forma ética e transparente, respeitando as normas e protegendo os interesses dos adquirentes de imóveis.