MARCO LEGAL DE GARANTIAS: O QUE MUDA NO ASPECTO IMOBILIÁRIO? – PARTE 1

Imobiliário

Em 30 de outubro de 2023, foi promulgada a legislação que institui o Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/23), visando aprimorar e tornar mais acessível o crédito por meio da diminuição das complexidades burocráticas e do risco de inadimplência. Essa medida simplifica a estabelecimento de garantias para transações comerciais, como aquisições, vendas e operações de empréstimos.

Notáveis mudanças estão redefinindo o cenário do Direito Imobiliário, de forma ques 54 (cinqüenta e quatro) dispositivos sofreram modificações ou foram adicionados à Lei 9.514/97. Além disso, outras leis, incluindo o Código Civil, foram ajustadas e serão discutidas ao longo deste artigo.

Neste informativo, vamos explorar nuances do Marco Legal das Garantias, tentando deixar mais sintetizado as novas regras e condições para a constituição da penhora, hipoteca, alienação fiduciária, tentando trazer um paralelo de como era antes para como está agora.

Nesse primeiro momento, apenas abordaremos a alienação fiduciária de forma que nas outras edições esclarecemos outros tópicos da legislação. Dividimos este informativo da seguinte maneira:

  • PONTOS RELEVANTES
  1. Terceiro fiduciante
  2. Alienação fiduciária (af) superveniente
  3. Valor do titulo da alienação fiduciária
  4. Notificação previa e divida em diversos cartorios
  5. Prazo de carencia
  6. Endereço do devedor fiduciario. Lugar ignorado e inacessivel.
  7. Aquisição ou construção de imovel residencial
  8. Prazo para leilão
  9. Saldo da divida – leilão de imoveis não residenciais
  10. Indisponibilidade, direitos reais, ônus gravames e leilao de imoveis
  11. Excussoes sucessivas
  12. Erro no processo que originou leilão
  • MARCO LEGAL DAS GARANTIAS E OBJETIVOS

O Marco Legal foi concebido com o propósito de reduzir os encargos do crédito e minimizar a inadimplência em território nacional. A lei busca aprimorar o ambiente de negócios e simplificar as operações no mercado de crédito do país.

De maneira abrangente, a nova regulamentação viabiliza o uso de um mesmo imóvel como garantia em mais de um empréstimo. O principal intento do Marco Legal consistiu na criação de alternativas, especialmente no contexto da alienação fiduciária, para tornar legalmente possível a utilização do mesmo imóvel como garantia em múltiplos contratos.

Essa iniciativa é de extrema importância, pois desbloqueia considerável valor para rotação no mercado, pois embora seja uma adequação jurídica, o Marco Legal tem o potencial de multiplicar por até três vezes o saldo de financiamentos e empréstimos com garantia imobiliária disponíveis no mercado.

Essa nova legislação traz consigo a promessa de transformar significativamente o cenário do crédito e da inadimplência no país. O Marco Legal tem como meta otimizar o ambiente de negócios e simplificar as transações no mercado de crédito nacional.

O cerne do Marco Legal reside na criação de alternativas, especialmente no âmbito da alienação fiduciária, para conferir viabilidade jurídica à utilização de um único imóvel como garantia em diversas transações.

Vamos destrinchar algumas mudanças do Marco Legal de garantias que impactar no cenário imobiliário, a começar pela alienação fiduciária.

  • ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

 

  1. TERCEIRO FIDUCIANTE

Inicialmente cabe destacar que já escrevemos sobre alienação fiduciária neste artigo, de forma que  é louvável uma anterior leitura ao artigo para melhor empacotamento sobre o tema aqui delineado.

Com o Novo Marco Legal das Garantias, o art. 22 da Lei 9514/97 foi alterado para trazer em seu texto a figura do terceiro fiduciante, destacando o conceito da alienação fiduciária para assim deixar claro:

“Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

 

Isso deixa claro que o terceiro pode garantir obrigação de terceiro com seu imóvel sem qualquer tipo de polêmica.

2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA (AF) SUPERVENIENTE

Novidade legislativa é a criação da alienação superveniente, que pode ser registrável e eficaz quando do cancelamento da propriedade fiduciária anterior. Vejamos o que diz o §3º do art. 22 da Lei 14.711/2023

  • A alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no registro de imóveis desde a data de sua celebração, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída.

A alienação fiduciária de propriedade superveniente em garantia é uma modalidade de alienação fiduciária “de segundo grau” ou sucessiva, que permite que um mesmo imóvel seja utilizado como garantia em mais de uma transação.

Cabe destacar que havendo AF superveniente e sucessivas, as anteriores tem prioridade na execução, de forma que se o imóvel for excutido e alienado a terceiros, os direitos dos credores posteriores sub-rogam-se no preço obtido.  (art. 22 §4º)

O credor que pagar a dívida do fiduciante comum fica sub-rogado no crédito e na propriedade fiduciária. O que isso quer dizer?

Vamos de exemplo. Se Joao é devedor fiduciário do banco A (AF primária) e do banco B (AF Secundária) e falha com seus pagamentos, o banco B pode pagar a dívida ao Banco A e ficar com os direitos de crédito, trazendo Joao para ser seu devedor direto. Ou seja, após essa operação teremos Joao como devedor fiduciário e banco B como AF primário. (art. 22 §5º)

Se previsto no contrato, o inadimplemento faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular, garantidas pelo mesmo imóvel, devendo a notificação de purga da mora trazer o alerta. (art. 22 §6º a §9º)

 Importante destacar ainda que a nova legislação deixa claro que os efeitos da recuperação judicial e falência não atingem os credores supervenientes fiduciários, ressaltando que aplica-se o art. 49 §3º da Lei 11.101/05 (Lei de Falências) a estes casos. (art. 22 §10)

3. VALOR DO TITULO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A Lei agora determinou que o contrato que serve de título fiduciário deve conter o valor da dívida, sua estimação ou seu valor Maximo, melhorando a publicidade e transparência do contrato.

 

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I – o valor da dívida, sua estimação ou seu valor máximo;   (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)

4. NOTIFICAÇÃO PREVIA E DIVIDA EM DIVERSOS CARTORIOS

Após a consolidação da propriedade pelo credor fiduciário, deve-se realizar notificação única, pelo oficial do registro de imóveis, após requerimento do fiduciário, para satisfazer a divida em 15 (quinze) dias, juros, penalidades e demais encargos, contribuições condominiais e as despesas de cobrança e de intimação.

  • 1º Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação.   (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)

 

Na hipótese de existir imóveis localizados em mais de uma circunscrição em garantia da mesma dívida, basta uma única intimação por qualquer um dos registradores competentes, sendo valida para todos os procedimentos de excussão, desde que informe a totalidade da dívida e dos imóveis passíveis de consolidação de propriedade.

 

5. PRAZO DE CARENCIA

O contrato de AF pode trazer um prazo de carência, de forma que pode ser pactuado entre as partes, de forma que ultrapassado tal prazo deverá ser expedido intimação consoante tópico informado acima. Quando nada dispor o contrato, será de 15(quinze) dias o prazo de carência.

 

  1. ENDEREÇO DO DEVEDOR FIDUCIARIO. LUGAR IGNORADO E INACESSIVEL.

Grande causa de nulidades nos processos de leilões extrajudiciais, agora a lei deixa mais que claro que o devedor fiduciário tem obrigação legal de informar a alteração de domicilio, de forma que veremos futuramente cada vez menos os devedores se escondendo para não receber a intimação a famigerada notificação para purgação da mora e consolidação de propriedade.

Agora haverá presunção de notificação quando o devedor estiver em lugar ignorado, ou seja, quando não forem encontrados no local do imóvel dado em garantia e nem no endereço fornecido por ultimo, devendo também ser contactado por telefone, quando assim disponibilizá-lo.

  • 4º-B Presume-se que o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante encontram-se em lugar ignorado quando não forem encontrados no local do imóvel dado em garantia nem no endereço que tenham fornecido por último, observado que, na hipótese de o devedor ter fornecido contato eletrônico no contrato, é imprescindível o envio da intimação por essa via com, no mínimo, 15 (quinze) dias de antecedência da realização de intimação edilícia.    (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

O texto agora deixa claro que pode ser considerado inacessível, de forma que sendo inacessível deve o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de registro de imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado pelo período mínimo de 3 (três) dias em jornal de maior circulação local ou em jornal de comarca de fácil acesso, se o local não dispuser de imprensa diária.

I – aquele em que o funcionário responsável pelo recebimento de correspondência se recuse a atender a pessoa encarregada pela intimação; ou     (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

II – aquele em que não haja funcionário responsável pelo recebimento de correspondência para atender a pessoa encarregada pela intimação.     (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

6. AQUISIÇÃO OU CONSTRUÇÃO DE IMOVEL RESIDENCIAL

Os procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, estão sujeitos às normas especiais. Assim a nova legislação trouxe para esclarecer o instituto.

  • 3º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária mais antiga vigente sobre o bem, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.     (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

Ou seja, na 2º praça deve ser considerado como lance mínimo o valor da dívida mais despesas mais encargos. Não havendo lance mínimo a divida é considerada extinta, com quitação e credor fica com a livre disponibilidade do imóvel. ( art. §3º e 4º do art. 26-A da Lei 9.514)

Cabe destacar que se aplica também a execução judicial da dívida. (§5º art. 26-A)

7. PRAZO PARA LEILÃO

A lei traz um novo prazo para realização do leilão, alargando-o para 60 dias contados da averbação da consolidação da propriedade (art. 27)

8. SALDO DA DIVIDA – LEILÃO DE IMOVEIS NÃO RESIDENCIAIS

Com relação a imóveis não residenciais cabe destacar novo artigo, que assim elucida sobre o segundo leilão.

  • 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.     (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)

Da analise do artigo podemos destacar que o mínimo do 2º leilão deve ser considerado a divida integral acrescido das despesas mais demais encargos. Não havendo lance mínimo, credor pode aceitar lance igual a 50% do valor de avaliação, podendo executar a diferença por outros meios, podendo inclusive fazer excussão de demais garantias. (art. 27 §2º a 6º-A)

Importante diferença que deve gerar muita polêmica futuramente.

9. INDISPONIBILIDADE, DIREITOS REAIS, ÔNUS GRAVAMES E LEILAO DE IMOVEIS

Os direitos reais de garantia ou constrições, penhoras, arrestos, bloqueios e indisponibilidades não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e a venda do imóvel para realização da garantia.

  • 11. Os direitos reais de garantia ou constrições, inclusive penhoras, arrestos, bloqueios e indisponibilidades de qualquer natureza, incidentes sobre o direito real de aquisição do fiduciante não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e a venda do imóvel para realização da garantia.    (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

Cabe destacar ainda que os titulares dos direitos reais de garantia ou constrições sub-rogam-se no direito do devedor fiduciário à percepação do saldo que eventualmente venha a receber como produto da venda (§12º)

10. EXCUSSOES SUCESSIVAS

Salvo disposição expressa em contrato ou se cada imóvel for vinculado a uma parcela da dívida, credor pode excutir em conjunto ou em atos sucessivos, indicando a sequencia.

Art. 27-A. Nas operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de 2 (dois) ou mais imóveis, na hipótese de não ser convencionada a vinculação de cada imóvel a 1 (uma) parcela da dívida, o credor poderá promover a excussão em ato simultâneo, por meio de consolidação da propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência, à medida do necessário para satisfação integral do crédito.    (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

A cada leilão, o credor averba nas matriculas dos imóveis não leiloados o demonstrativo do resultado e o encaminha ao fiduciante. Caso seja satisfeito o crédito com o produto dos leilões sucessivos, credor entrega o termo de quitação e cancelamento da AF nos imóveis restantes. (§2º e §3º)

 

11. ERRO NO PROCESSO QUE ORIGINOU LEILÃO

Com a arrematação do imóvel em leilão ou consolidada definitivamente a propriedade, no caso de frustrações dos leilões, as ações judiciais que versarem sobre clausulas contratuais ou requisitos procedimentos, exceto a notificação do devedor, não obstarão a reintegração da posse do credor fiduciário e devem ser resolvidas em perdas e danos.

Parágrafo único. Arrematado o imóvel ou consolidada definitivamente a propriedade no caso de frustração dos leilões, as ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação do devedor e, se for o caso, do terceiro fiduciante, não obstarão a reintegração de posse de que trata este artigo e serão resolvidas em perdas e danos.    (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023) 

  • CONCLUSÃO

 O advento do Marco Legal das Garantias representa uma reforma profunda no cenário jurídico imobiliário brasileiro. Focado na simplificação e acessibilidade ao crédito, esse marco introduz alterações significativas na Lei 9.514/97 e em outras legislações correlatas, impactando diretamente as transações comerciais, especialmente aquelas relacionadas a aquisições, vendas e operações de empréstimos.

A principal inovação reside na flexibilização da alienação fiduciária, permitindo que um mesmo imóvel sirva como garantia para múltiplos contratos. Essa mudança estrutural tem o potencial não apenas de simplificar as transações, mas também de catalisar a rotação no mercado imobiliário, multiplicando o saldo de financiamentos disponíveis.

A introdução da alienação fiduciária superveniente, com sua registrabilidade e eficácia, adiciona uma camada adicional de complexidade e oportunidade ao ambiente jurídico.

Ao desdobrar os elementos específicos da nova legislação, desde a figura do terceiro fiduciante até questões práticas como notificação prévia, prazos de carência e requisitos contratuais, o artigo delineia um panorama abrangente das transformações. A transparência é valorizada, com a inclusão obrigatória do valor da dívida nos contratos, sinalizando uma preocupação não apenas com a simplificação, mas também com a integridade das transações.

Em resumo, o Marco Legal das Garantias não apenas redefine as práticas de garantias imobiliárias, mas também promete remodelar o ambiente de negócios e transações de crédito no Brasil. Sua implementação é um passo significativo em direção a um sistema mais eficiente, dinâmico e seguro no setor imobiliário nacional.

Gostou do resumo dos principais pontos? Fique ligado nas próximas edições que prometeremos simplificar também os outros pontos relevantes do novo Marco Legal de Garantias.

 

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Andress Amadeus

Advogado Especialista em Direito Imobiliário

Tags :
imobiliário,Marcolegal

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