DOAÇÃO DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE: EXISTE LIMITE? ENTENDA O QUE É DOAÇÃO INOFICIOSA

Família e Sucessões

Os pais, com o intuito de ajudar os filhos a construírem patrimônio próprio, muitas vezes acabam doando bens, geralmente imóveis, para um dos descendentes. Ou então adquirem, com recursos próprios, bens em nome de um dos filhos. Mas será que há algum impedimento legal para essa conduta? Abaixo delinearemos os contornos jurídicos da referida situação.

O nosso Código Civil, em seu art. 549, estabelece que é nula a doação quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. A doação que excede a parte disponível é denominada doação inoficiosa.

Portanto, como concluímos ao ler o dispositivo, a legislação civil não proíbe a doação, nem mesmo exige a aquiescência dos demais herdeiros, mas apenas a limita à metade do patrimônio do doador, devendo ser respeitada a legítima.

O instituto da legítima é regulamentado no art. 1.846 do CC, que dispõe que “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”. Em outras palavras, a pessoa pode doar em vida ou deixar para qualquer pessoa, por testamento, metade do seu patrimônio.

Os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, conforme dicção do artigo 1.845 do CC. Não só o cônjuge, como também o companheiro – aquele que vive em união estável -, é considerado herdeiro necessário, após decisão do Supremo Tribunal Federal que o incluiu no rol legal.

Importante atentar que, para aferir eventual nulidade das supostas doações, deve ser considerado o patrimônio existente no momento que o doador realizou o ato, e não na abertura da sua sucessão.

No caso da doação de imóvel, a data do ato é a da averbação da doação na matrícula do bem, registro feito no Cartório de Registro de Imóveis. Esse momento é de extrema relevância porque, a partir dele, também começa a contar o prazo prescricional para o herdeiro pedir a anulação da doação inoficiosa.

O prazo incidente é aquele estabelecido no art. 205 do CC, ou seja, o herdeiro prejudicado tem até dez anos para pleitear a anulação do ato, naquilo que respeitou a legítima e prejudicou seu quinhão hereditário. Embora haja certa discussão a respeito do assunto, a jurisprudência dos tribunais pátrios e do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é pacífica neste sentido.

O ordenamento jurídico pátrio preza pela preservação dos negócios jurídicos celebrados, de maneira a conferir segurança jurídica às relações contratuais estabelecidas. Assim, a decretação de nulidade do ato jurídico das aquisições dos imóveis, em se tratando de negócio jurídico defeituoso, deve vir amplamente comprovada, não bastando meras conjecturas acerca de questões fáticas e que não se submetem ao instituto da doação inoficiosa.

Por fim, importante esclarecer que, mesmo nos casos em que o imóvel é adquirido em nome do filho, mas com recursos dos pais, os outros herdeiros também podem, desde que comprovado, pedir a anulação do negócio naquilo que excedeu o que os genitores poderiam dispor por testamento naquele momento.

Se os pais realizaram a aquisição de um imóvel apenas em nome de algum ou alguns dos seus descendentes, há uma transferência intervivos e graciosa de bens, descrição que se amolda ao típico contrato de doação, previsto no art. 538 do Código Civil.

A verificação de simulação relativa não gera a nulidade do ato, pois, segundo o art. 167 do Código Civil, é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. Assim, ao anular apenas o que fere a legítima, e preservar o negócio celebrado, respeita-se a segura jurídica que deve ser conferida às relações negociais.

A conduta correta, quando um dos filhos recebe algum bem dos pais, por doação ou pela aquisição em nome próprio com recursos deles, em montante que excede a parte disponível, é realizar a colação após o falecimento do doador. A colação é instituto previsto pelo art. 2.002 do CC, que assim dispõe, in verbis:

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Alguns bens não serão objeto de colação, nos termos do art. 2.010 do CC, sendo eles:

  • Os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação (até os 24 anos); estudos; sustento; vestuário; tratamento nas enfermidades; e enxoval.
  • Assim como as despesas de casamento;
  • As feitas no interesse de sua defesa em processo-crime.
  • As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente (doação remuneratória é aquela feita como forma de pagar algo que o filho fez de graça).

O herdeiro beneficiário da doação inoficiosa, que deixa de levá-la à colação nos autos do inventário, pode sofrer pena de sonegação, perdendo o direito que lhe cabia sobre tais bens.

Desse modo, vimos que, mesmo imbuídos da melhor intenção, os pais ou o cônjuge/companheiro devem ficar atentos quando desejarem dispor do seu patrimônio, seja por doação ou testamento, em favor de um dos herdeiros, pois deve respeitar a legítima, ou seja, metade dos bens da herança considerando o acervo patrimonial existente no momento do ato de liberalidade.

Ethel Lustosa Lacrose

OAB/SE 6.085

Especialista em Direito e Processo Civil

Tags :
bens,direito de família,doacao,Processo

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