Alienação Fiduciária de Imóveis: Direitos e Desafios na Relação Consumidor e Incorporadora
A alienação fiduciária de bens imóveis, regulada pela Lei 9.514/97, tem se consolidado como a principal forma de financiamento imobiliário no Brasil, e apesar das vantagens que oferece ao credor, há diversos desafios e riscos para o consumidor, principalmente em casos de inadimplência e rescisão contratual.
Este artigo abordará os principais aspectos da alienação fiduciária de imóveis, destacando a relação entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.514/97, bem como os recentes entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a matéria.
1. O que é a Alienação Fiduciária de Imóveis?
A alienação fiduciária é um contrato no qual o comprador do imóvel (fiduciante) transfere a propriedade resolúvel do bem ao credor (fiduciário) como garantia do financiamento, de forma que enquanto houver pagamento das parcelas, o comprador detém a posse direta do imóvel.
Em caso de quitação, a propriedade retorna integralmente ao comprador, conquanto se houver inadimplência, a lei prevê um rito extrajudicial para a retomada do imóvel pelo credor.
2. Características Principais
A alienação fiduciária se diferencia de outras formas de garantia imobiliária por trazer segurança jurídica tanto ao credor quanto ao comprador, impondo um conjunto de obrigações e direitos específicos. Para compreender melhor essa estrutura, é essencial analisar suas principais características:
Registro no Cartório de Imóveis: A alienação fiduciária só se torna válida e eficaz após o registro do contrato no cartório de imóveis competente. Esse requisito garante publicidade ao ato e possibilita que terceiros tenham ciência da existência da garantia fiduciária, protegendo tanto o credor quanto eventuais interessados no imóvel.
Procedimento Extrajudicial: a alienação fiduciária permite a retomada do imóvel de maneira extrajudicial, de maneira que após a constituição em mora do devedor, o credor pode executar o imóvel sem necessidade de ação judicial, reduzindo custos e tempo no processo de recuperação da garantia.
Prazo para Purgação da Mora: Caso o devedor entre em inadimplência, ele possui um prazo de 15 dias, a partir da notificação do cartório, para quitar a dívida e evitar a execução do contrato. Essa medida permite ao comprador regularizar sua situação antes da perda do imóvel e impede que pequenos atrasos resultem automaticamente na retomada da propriedade pelo credor
Venda em Leilão: Se o devedor não quitar a dívida no prazo estipulado, o imóvel é levado a leilão para que o credor recupere o crédito concedido. O primeiro leilão ocorre com base no valor de avaliação do bem e caso não haja compradores, um segundo leilão é realizado, podendo o imóvel ser arrematado por valor inferior. Caso então não haja arrematação, o credor pode consolidar a propriedade em seu nome.
3. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor
A alienação fiduciária gera conflitos entre a Lei 9.514/97 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente quando se trata da devolução de valores pagos e das obrigações do credor.
O STJ firmou o entendimento de que o CDC é aplicável aos contratos de alienação fiduciária quando houver relação de consumo, ou seja, quando o imóvel for adquirido de uma incorporadora ou loteadora.
Existe a sumula 543 do STJ que aduz, nos casos de rescisão de contrato por iniciativa do comprador, a devolução dos valores pagos deve ocorrer de forma imediata, com retenção de um percentual razoável para cobrir custos do vendedor.
No entanto, quando a alienação fiduciária está regularmente registrada e em conformidade com a Lei 9.514/97, a jurisprudência do STJ tem reforçado que o procedimento extrajudicial deve prevalecer sobre o CDC, especialmente nos casos de inadimplência.
Dessa forma, a aplicação da lei dependerá do contexto específico do contrato e da forma como foi conduzida sua execução.
4. Casos Práticos para aplicabilidade da Lei
Em casos recente, o STJ tem decidido que o CDC pode afastar a aplicação da Lei 9.514/97 se houver conduta abusiva por parte da incorporadora ou se o contrato não tiver sido devidamente registrado.
No julgamento do REsp 2.135.500/GO, o tribunal considerou que a alienação fiduciária somente poderia ser executada extrajudicialmente caso o contrato estivesse previamente registrado no cartório de imóveis.
Em resumo, para determinar se um contrato de alienação fiduciária deve seguir a Lei 9.514/97 ou o CDC, deve-se observar:
- Se o contrato foi devidamente registrado.
- Se houve práticas abusivas ou violação da boa-fé objetiva.
- Se a rescisão ocorreu por iniciativa do comprador ou por inadimplência
No caso analisado do RESP acima tratado, o vendedor permaneceu por dois anos sem registrar a alienação fiduciária, somente o fazendo após a solicitação de rescisão pelo comprador.
Nesse contexto, o STJ entendeu que essa conduta violou a boa-fé objetiva, aplicando a teoria da supressio, que impede o credor de invocar um direito que deixou de exercer por longo período.
Os consumidores que adquiriram imóveis com alienação fiduciária devem estar atentos aos seguintes direitos:
- Direito à Informação: o vendedor deve esclarecer todas as cláusulas do contrato, incluindo os riscos da alienação fiduciária.
- Restituição de Valores: caso haja rescisão, os valores pagos devem ser devolvidos com retenção limitada.
- Invalidação da Execução Extrajudicial: se o contrato não estiver registrado, a execução extrajudicial não pode ser aplicada.
- Possibilidade de Ação Judicial: em casos de abusividade, o consumidor pode recorrer ao Judiciário para revisar cláusulas contratuais.
5. Conclusão
A alienação fiduciária de imóveis representa um mecanismo eficiente de garantia para os credores, mas deve ser utilizada em conformidade com a boa-fé e os princípios do CDC.
O registro do contrato no Cartório de Imóveis é fundamental para a validade da execução extrajudicial, e a sua omissão pode gerar consequências jurídicas significativas.
Ficou com alguma dúvida? Consulte um advogado (clique em ‘contato‘ ou converse conosco via Whatsapp)