A OFERTA VOLUNTÁRIA DO BEM DE FAMÍLIA E SUA PENHORABILIDADE

Família e Sucessões

O bem de família e sua impenhorabilidade é considerado expressão da dignidade da pessoa humana, consagrada inclusive na Constituição Federal, o instituto tem como objetivo assegurar um patrimônio mínimo.

A princípio explica-se que no Brasil, existem duas espécies de bem de família, o bem de família convencional ou voluntário, aquele instituído por ato de vontade do casal ou entidade familiar, conforme art. 1.711 do Código Civil, e o bem de família legal.

O bem de família legal, foi regulado pela Lei 8.009/90, vejamos:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Destaca-se que caso a família possua vários imóveis como residência, a impenhorabilidade recaíra sobre o de menor valor, exceto nos casos em que outro imóvel já tenha sido registrado como bem de família voluntário.

Exposto os conceitos gerais, vamos ao caso concreto!

Recentemente chegou ao STJ caso em que um casal, sócios de uma empresa, realizou empréstimo com o banco, utilizando como garantia deste mútuo o apartamento em que moravam. Ou seja, ocorreu uma alienação fiduciária do imóvel em garantia. Contudo, houve o inadimplemento e o banco deu início ao procedimento de alienação do imóvel para quitar a dívida do casal, que ajuizou ação alegando a impenhorabilidade do imóvel por se tratar de bem de família.

Importante informar que de acordo com o art. 22 da Lei n° 9.514/97, a alienação fiduciária de imóvel ocorre quando o fiduciante toma dinheiro emprestado, do fiduciário, e dá como garantia que irá pagar a dívida um bem imóvel, que só será devolvido no caso de adimplemento integral do débito.

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

A alienação fiduciária em garantia foi criada, para facilitar a retomada dos imóveis, posto que a hipoteca dependia do poder Judiciário para sua execução, o que impedia a celeridade no recebimento do crédito.

Retomando o caso concreto os autores alegaram que não poderia ocorrer a alienação fiduciária do imóvel, sendo tal nula, tendo em vista que o apartamento seria bem de família impenhorável.

 Entretanto o STJ entendeu que “A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família”. (STJ. 2ª Seção. REsp 1.559.348-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 24/5/2023 (Info 776)).

Portanto, entende-se pela impossibilidade de beneficiar alguém que ofereceu voluntariamente a sua propriedade em garantia, por meio de alienação fiduciária, com o intuito de obter recursos, e posteriormente, com o inadimplemento da dívida arguiu a nulidade do ato. Considerando inclusive utilização abusiva do direito, vejamos entendimento nesse sentido:

1. À luz da jurisprudência dominante das Turmas de Direito Privado:

(a) a proteção conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não importa em sua inalienabilidade, revelando-se possível a disposição do imóvel pelo proprietário, inclusive no âmbito de alienação fiduciária; e

(b) a utilização abusiva de tal direito, com evidente violação do princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerada, afastando-se o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico.

STJ. 2ª Seção. AgInt nos EDv nos EREsp 1.560.562/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, REPDJe de 30/6/2020.

Logo,  observamos que a jurisprudência do STJ entendeu que a entrega voluntária da sua única propriedade como garantia, inclusive no âmbito de alienação fiduciária, no qual a propriedade é transferida ao credor do empréstimo como garantia do pagamento da obrigação assumida pelo devedor, não gera a impenhorabilidade do bem de família.

Jessica Rocha Bomfim

OAB/SE 12.386

Tags :
direito de família

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