Na sociedade brasileira, a criação de animais de estimação vem crescendo ano após ano. O IBGE apurou, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, que 46,1% dos domicílios possuem ao menos um cachorro em seu lar, enquanto os gatos fazem parte de 19,3% dos lares brasileiros.
Entretanto, tal fato não traz apenas consequências afetivas para as famílias, repercutindo também na esfera jurídica, tornando-se evidente as alterações no conceito de família.
Ao incluir os animais de estimação no núcleo familiar, a sociedade abre inúmeros procedentes, a exemplo da humanização dos animais e dúvidas sobre os direitos destes.
Sabemos que o Judiciário altera constantemente a sua abrangência nos diversos temas em ascensão na sociedade, adequando o entendimento da lei às situações que surgiram após sua entrada em vigência.
Neste sentido, existem diversas discussões acerca da nova configuração da família com a inclusão dos animais de estimação enquanto membros, a exemplo do Projeto de Lei nº 4.375/21, que altera o Código Civil e o Código de Processo Civil.
A alteração inclui a previsão dos animais de estimação serem objetos de guarda, unilateral ou compartilhada, em caso de divórcio, inclusive obrigando os tutores a contribuírem para a manutenção dos animais.
O Relator da PL, deputado Ricardo Izar (Republicanos-SP), recomendou a aprovação citando que “A resolução desses casos tem cada vez mais chegado ao Poder Judiciário, contudo as partes se encontram vulneráveis em virtude de um limbo jurídico existente”, observou. “A proposta em apreciação pretende preencher essa lacuna”, ponderou o Relator.
Em caso de divórcio, geralmente a guarda dos filhos é objeto de disputas judiciais entre os genitores, necessitando do uso das técnicas de resoluções de conflito para se chegar a um consenso ou, caso não seja possível, a decisão será fixada pelo juiz da causa, sabendo que agora pode-se incluir os pets nesta discussão.
Como ainda não há lei que regulamente a situação, hoje deve ser levada em consideração a jurisprudência sobre o tema. O Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o assunto, já assegurou o direito de visitas em caso de animal de estimação adquirido durante a união estável que se rompeu. Confira-se trecho da citada decisão:
7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.
(STJ – REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)
A tendência é que, futuramente, os deveres em relação aos cuidados dos animais de estimação serão equivalentes àqueles estabelecidos aos filhos, como em casos de guarda compartilhada, em que há determinação de uma das casas como moradia fixa e pagamento de “pensão alimentícia”.
Quando os tutores não conseguem chegar a um consenso sobre a guarda do animal, este será fixada por um juiz, que decidirá tendo em vista o bem-estar do pet, seus interesses e dos donos.
Importante ressaltar que nem todos os animais podem ter sua guarda compartilhada, mas somente os animais considerados sencientes, ou seja, animais que possuem sensações e sentimentos de maneira inconsciente. Ao contrário dos animais semoventes, que não possuem os mesmos sentimentos e são propriedades ou patrimônios dos donos.
Assim, nos casos de divisão de animais que não sejam cachorros ou gatos, será levado em consideração a propriedade, isto é, quem é o dono do animal.
Como vimos, ainda não há lei regulamentadora dos casos de disputa de guarda de animais de estimação, mas, dada a relevância do tema, os tribunais pátrios têm decidido os casos que chegam para julgamento, levando em consideração as balizas estabelecidas pelo regramento do poder familiar em nosso ordenamento.