No geral tem-se como bem de família a propriedade destinada a domicílio familiar que recebe o benefício da impenhorabilidade, por ser um patrimônio mínimo essencial a dignidade.
Atualmente existem duas espécies de bem de família, o bem de família convencional ou voluntário, e o bem de família legal. O bem de família convencional foi regulamentado pelo Código Civil, e depende de escritura pública ou testamento em que a entidade familiar irá instituir este bem de família, desde que obedecido ao limite legal de um terço do patrimônio líquido, vejamos:
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial
Já o bem de família legal decorre da Lei 8009/90, e não depende de ato da entidade familiar, sendo uma proteção conferida involuntariamente, não respondendo, portanto, por qualquer tipo de dívida de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, exceto as hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/90.
O Inciso II, do art. 3 º da Lei nº 8.009/90 traz uma das exceções, a impenhorabilidade do bem de família, em casos que o processo de execução é ajuizado pelo titular de crédito, destinado à construção ou à aquisição de imóvel:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
E foi com este fundamento legal que uma empresa conseguiu êxito em execução de título extrajudicial contra devedor, onde o juiz determinou a penhora de bem de família, mesmo o devedor alegando que o imóvel tratava-se de bem de família, sendo, portanto, impenhorável.
No presente caso a empresa foi contratada para construir uma casa em terreno vazio do devedor. Foi celebrado um contrato de empreitada global, que ocorre quanto um cliente contrata uma empresa de construção e faz um pagamento fixo para que o empreiteiro se responsabilize totalmente pela obra, sendo a contratação por preço e total.
Ajustou-se que o cliente pagaria R$ 500.00,00 (quinhentos mil reais) a empresa pela construção de casa, de forma parcelada em 10 vezes. Contudo, não foram pagas as últimas parcelas do contrato, e ficou um saldo devedor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
O tema chegou até o STJ e a penhora sobre o imóvel foi mantida, a Suprema Corte entendeu que independentemente de o devedor não ter financiado ou tomado crédito para financiar construção ou aquisição de imóvel neste caso, tendo em vista que apenas fora pactuado o pagamento pela construção, o empreiteiro se obrigou a construir a casa, fornecendo os materiais necessários.
Segue entendimento do STJ:
Admite-se a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel.STJ. 3ª Turma. REsp 1.976.743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
A intenção do legislador foi impedir a inviabilidade de credor ficar no prejuízo após contribuir para aquisição ou construção de imóvel, não pode o devedor usar do benefício da impenhorabilidade para adquirir ou melhorar imóvel.
Observa-se então que além da impenhorabilidade não ser absoluta, a aplicação do inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 não está restrita a penhora de bem de mutuário que adquiriu ou construiu imóvel através de financiamento.
No presente caso, a relatora Nancy Andrighi declarou que “é nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, utilizado como artifício para viabilizar aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros”,
“Portanto, a dívida relativa a contrato de empreitada global, porque viabiliza a construção do imóvel, está abrangida pela exceção prevista no artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/1990”, concluiu.
Ao enfrentar questão semelhante (REsp 1.221.372) o Ministro Marco Buzzi frisou que a palavra financiamento usada pelo legislador não objetivava restringir a regra da impenhorabilidade, somente as hipóteses em que as dívidas seriam assumidas e quitadas com recursos de agentes financeiros.
Tem-se, portanto, que, em casos de existência de débito originário de contrato de empreitada global, segundo o qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais, admite-se a penhora do bem de família.