Corretoras e Empresas de Pagamento Não São Responsáveis por Atraso na Obra: O Que Isso Significa para o Mercado Imobiliário?
Entendimento do STJ reforça os limites da responsabilidade civil nas relações de consumo, com impactos diretos para empresários do setor imobiliário e financeiro.
RECURSO ESPECIAL Nº 2155898 – SP (2024/0246993-0)
Em decisão recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a responsabilidade civil de uma corretora de imóveis e de uma empresa de pagamentos pelo atraso na entrega de um imóvel adquirido por consumidores. A decisão representa um importante precedente, ao delimitar com mais precisão o alcance da responsabilidade nas relações de consumo que envolvem múltiplos prestadores de serviço.
Este artigo apresenta os principais pontos do julgamento e destaca as implicações práticas para empresas que atuam nos mercados imobiliário, financeiro e de intermediação.
O que você encontrará neste artigo:
- Entenda o Caso
A controvérsia teve início quando um casal ajuizou ação judicial contra a incorporadora responsável pela construção de um imóvel, ABYARA (corretora de imóveis) que intermediou a venda e a RENDIMENTOPAY (empresa de pagamentos envolvida na operação).
O motivo da demanda foi o atraso significativo nas obras do empreendimento: embora ainda faltassem três meses para o vencimento do prazo contratual de entrega, a construção se encontrava em estágio inicial, tornando evidente o descumprimento do cronograma.
Diante desse cenário, os compradores requereram a rescisão do contrato, com devolução integral dos valores pagos, inclusive os relativos à comissão de corretagem e à taxa de personalização.
Na primeira instância, o juiz reconheceu parcialmente os pedidos dos autores, determinando a devolução de parte dos valores pagos pela incorporadora, mas isentando a corretora e a empresa de pagamentos de qualquer responsabilidade.
A decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que entendeu que todas as empresas envolvidas integravam a cadeia de consumo e, portanto, deveriam responder solidariamente pelos prejuízos suportados pelos compradores.
O TJSP aplicou uma interpretação ampla do Código de Defesa do Consumidor (CDC), atribuindo a todas as rés o dever de reparar os danos em razão do inadimplemento contratual.
A Terceira Turma do STJ, de forma unânime, concluiu que tanto a corretora quanto a empresa de pagamentos não integram a cadeia de fornecimento relacionada à execução do empreendimento imobiliário, e ainda reforçou que a responsabilidade solidária entre fornecedores exige a existência de um nexo causal entre a conduta do agente e o dano experimentado pelo consumidor.
Considerou, como essas empresas não participaram da incorporação nem contribuíram para o atraso na obra, não há fundamento legal que justifique sua responsabilização, determinando uma decisão importante, trazendo segurança jurídica para o setor, ao delimitar com precisão o alcance da responsabilidade nas relações contratuais complexas, notadamente quando trata-se de CDC.
2. O Papel da Corretora e da Empresa de Pagamentos
A corretora de imóveis, nesse tipo de operação, tem como função central a intermediação entre o comprador e o vendedor do imóvel, atuando como elo comercial entre as partes, de forma que sua responsabilidade está limitada à aproximação dos interessados e à prestação de informações claras e adequadas sobre o negócio.
Conforme reconhecido pelo STJ, essa atuação é distinta da responsabilidade da incorporadora, que é quem assume os riscos e obrigações relacionadas à construção e entrega do imóvel, pois a corretora não participa da execução do empreendimento, nem possui ingerência sobre o andamento das obras, o que inviabiliza sua responsabilização por atrasos construtivos.
Já as chamadas “pagadorias” ou empresas de gestão de pagamentos exercem uma função meramente operacional e administrativa dentro da estrutura da transação imobiliária, pois são responsáveis pela emissão de boletos, organização de repasses de comissões e pela gestão de valores entre compradores, corretores e imobiliárias. Frequentemente contratadas pelas próprias corretoras, as empresas não firmam contratos com os compradores finais e tampouco participam da estruturação jurídica ou física do empreendimento, sendo sua atuação desvinculada da cadeia de fornecimento relacionada à incorporação imobiliária.
A decisão do STJ deixou claro que a responsabilização dessas empresas somente poderia ocorrer se houvesse falha específica na execução de seus próprios serviços, como, por exemplo, a má gestão dos valores recebidos ou repasses indevidos.
Não havendo contribuição direta para o inadimplemento contratual da incorporadora, não se justifica incluí-las em ações judiciais fundadas em atraso de obras.
- O Que Diz o Código de Defesa do Consumidor no caso de atraso de obra e terceiros envolvidos?
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que todos os integrantes da cadeia de fornecimento de um produto ou serviço podem ser responsabilizados solidariamente pelos danos causados ao consumidor.
Essa regra, prevista nos artigos 7º, parágrafo único e 25, é baseada na ideia de proteção ampla e efetiva do consumidor, permitindo que ele acione qualquer dos envolvidos para obter reparação, independentemente de quem foi, diretamente, o causador do prejuízo. No entanto, a responsabilização ampla não é automática e exige que se comprove um vínculo entre a atuação do fornecedor e o dano ocorrido, o que denominamos de nexo causal.
A jurisprudência do STJ tem caminhado no sentido de qualificar essa responsabilização, exigindo a presença de um nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo, ou seja, não basta que uma empresa tenha participado formalmente de uma transação para que seja considerada responsável por todos os seus desdobramentos, mas que contribuiu para o resultado danoso.
No caso analisado ficou evidente que nem a corretora nem a empresa de pagamentos contribuíram para o inadimplemento da obrigação principal, e nem agiram em omissão ou comissão para a entrega do imóvel no prazo.
Por isso, o STJ reconheceu que essas empresas não fazem parte da cadeia de fornecimento relevante para esse tipo específico de dano.
Esta decisão técnica do CDC ainda sim protege os consumidores, mas não desconsidera os limites razoáveis da responsabilidade empresaria, e orienta o mercado quanto à necessidade de delimitação clara dos papéis e deveres de cada agente envolvido nas transações de consumo.
- Implicações Práticas para Empresas
A decisão do STJ traz implicações relevantes para empresas que atuam em operações complexas, como as do setor imobiliário, financeiro e de corretoras de imóveis.
Corretoras de imóveis e empresas de pagamentos ao serem enquadradas fora da cadeia de fornecimento da incorporação imobiliária passam a ter maior previsibilidade jurídica quanto aos limites de sua responsabilidade, permitindo um melhor planejamento de riscos, assim como reforça a importância de contratos bem elaborados que definam com clareza os papéis de cada parte envolvida na operação.
Do ponto de vista empresarial, o julgamento reforça a necessidade de especial atenção à delimitação das atividades executadas por prestadores de serviços auxiliares.
Empresas que atuam de forma acessória à prestação principal devem manter registros detalhados, contratos atualizados e comunicação transparente com os clientes, de modo a evitar confusões sobre sua função e, consequentemente, litígios indevidos.
Ao demonstrar de forma clara que não contribuíram para o inadimplemento, as empresas se colocam em posição mais segura em eventuais disputas judiciais. Além disso, a decisão serve como alerta para incorporadoras e construtoras, que devem assumir integralmente os riscos e obrigações vinculados à entrega do imóvel, não transferindo a terceiros a responsabilidade pelo cumprimento do cronograma ou pela execução da obra.
Para o mercado como um todo, o acórdão valoriza a especialização das funções empresariais e fortalece a lógica de responsabilidade proporcional, contribuindo para relações comerciais mais equilibradas e juridicamente seguras.
- Conclusão
A decisão do STJ ao reconhecer a ilegitimidade da corretora de imóveis e da empresa de pagamentos para responder por atraso na entrega de imóvel consolida um entendimento relevante sobre os limites da responsabilidade nas relações de consumo.
Ao exigir a presença de nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido pelo consumidor, o tribunal promove uma aplicação mais técnica e justa do Código de Defesa do Consumidor, preservando a coerência das relações contratuais.
Para empresários e operadores do mercado imobiliário, essa decisão reforça a importância de uma atuação clara, bem delimitada e documentada. Mais do que uma vitória pontual para os recorrentes, trata-se de um sinal de maturidade do sistema jurídico que oferece maior segurança aos agentes econômicos e contribui para o equilíbrio das responsabilidades nas cadeias contratuais.
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